quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Escrito a sangue






Daqui a uma semana o meu menino faz 15 anos. 15 anos que são a minha vida inteira, porque o mundo, antes dele, não existia.

Hoje passam quatro anos desde que a vida de uma mãe terminou de uma só vez , num rio de sangue a escorrer no empedrado frio. A-ssa-ssi-na-do. Cinco sílabas implacáveis e definitivas.
Olho para o sorriso dele, como se fosse para mim que ele sorrisse, como se em mim fundisse a sua doçura de criança. E aperta-se-me a laringe e arde-me no peito a bala que trespassou o peito do menino.O menino dela. O menino deles. O nosso menino.

O meu menino faz 15 anos na semana que vem e há dias contou-me do colega dele que ficou de cabeça aberta pelo casse-tête da polícia, a 14 de novembro. Seis pontos coseram a pele rasgada pela maldade.

O meu menino vai fazer 15 anos e hoje eu tenho medo. Por ele, por ela. Por nós. Pelo nó que me invade a garganta e cresce, inexorável. A bala que matou Alexis alojou-se-me na garganta, e transborda. E falta-me o ar, enquanto tento sorrir de volta àquele menino plasmado para sempre nos 15 anos. 15 anos. Para sempre. O menino dela. O nosso menino.

Hoje queria abraçar aquela mãe, aquele pai. Hoje, queria reverter os dias para eles. Hoje queria apagar a ignomínia. Resgatar aquele sorriso de menino. Pudesse eu abraçar aquele sorriso, e do calor e da vontade do meu abraço trazer de novo à luz o filho daquela mãe, o menino dela, o nosso menino.

E imploro a um deus qualquer, a um deus que haja, a um deus que o seja, luminoso e humano, como os deuses devem ser, peço-lhe que guarde, que proteja o meu menino, os meus meninos, os nossos meninos. O sorriso deles. Para sempre.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

de como deixei de acreditar no Pai Natal


Devia ter uns dois anos e estava numa festa com o meu pai. Ainda vivíamos em Paris. Era Natal, pelo menos acho que devia ser porque de repente apareceu alguém vestido de Pai Natal, com a indumentária completa, à qual não faltava sequer um martelo (sim, eu sei que não faz parte do figurino, mas este trazia um). O tipo estava a brincar, claro, e se calhar o martelo era daqueles de plástico que não aleijam ninguém, mas até hoje não esqueço o susto. Como desatasse a chorar em pânico não tiveram outro remédio se não revelar-me o carácter fictício de tal personagem... E de facto, nunca mais acreditei no dito... 

Diz-me uma amiga jornalista - também ela há muito sem poiso onde labutar - que admira a minha 'coragem' (a expressão é dela) de dizer o que me dá na real telha (a expressão é minha). Faço-a notar que não tenho emprego que possa perder. "Isso não invalida a coragem, pode é impedir a possibilidade de um emprego", responde-me ela. Donde recordo este episódio da longinqua infância. Para mim, neste contexto, não há nem haverá emprego. Sei-o há muito e há muito que já deixei de lamentá-lo ou de me lamentar por isso. Resta mudar o contexto, já que eu estou a ficar entradota para mudar. E quero, claro, que estes gajos vão todos pastar. A verdade é a matéria-prima do jornalista. Se não for, então não sou/serei jornalista.